Sou um consumidor viciado de futebol português dos últimos quinze anos. Outros campeonatos há que têm mais estrelas, mais público, avançados mais espectaculares, médios mais criativos, defesas com mais classe, estádios melhores… enfim, uma série de coisas importantes neste negócio da bola. Mas nenhum, repito a bold, nenhum tem o encanto do campeonato português. Estamos a falar de uma liga em que na preparação das épocas e dos jogos, dirigentes, técnicos e jogadores têm mais factores de ponderação e preocupação do que em qualquer outra. As condições do terreno de jogo em estádios como o de Moreira de Cónegos ou o saudoso Adelino Ribeiro Novo, árbitros desconcertantes como Jacinto Paixão, Paulo Costa ou Olegário Benquerença, seguranças privados contratados pelos clubes para desestabilizar a equipa contrária, bruxos nas bancadas, galinhas pretas lançadas para dentro de campo. Enfim, em Portugal, um bom 4-4-2 diamante e basculante não é garantia de vitória no campeonato e isso sim, é um desafio empolgante para grandes cérebros, como o meu.
Muitos treinadores podem achar difícil a tarefa de estar à frente de um clube português. Mas quem sobrevive na Superliga lusitana está preparado para treinar em qualquer clube do mundo (veja-se o sucesso que teve recentemente o Prof. Neca à frente da sempre complicada selecção das Maldivas!).
É por isso que em Portugal surgem os jogadores mais interessantes do momento. Onde, no mundo, podemos ver um médio defensivo com a classe raçuda de um Fernando Aguiar? Onde, pergunto, encontramos um lateral polivalente como o Primo? E em que latitude encontramos um extremo desconcertante como o Rodrigo Tello?
Dou por mim a pensar, comovido, nos grandes vultos pós-modernos que têm passado pelo campeonato português, a pensar na sua fenomenologia e no que sucederia se os juntássemos num único onze. Em cinco minutos de reduzido esforço mental rabisco num papel os onzes (4-4-2 diamante, claro) mais gloriosos que se podiam ter feito, nos três grandes, nesta década e meia de pujança futebolística. Partilho os gatafunhos convosco:
SL Benfica: Bossio; Okunowo, Tahar, King, Escalona; M. Thomas, Carlitos, Uribe, Washington Rodriguez; Pringle, Akwá.
Sporting CP: Costinha; Gil Baiano, Hugo, Carlos Jorge, Balajic; Frank Rijkaard, Giménez, Careca (ou Carlos Miguel), Kmet; Ouattara e J.J. Missé-Missé.
FC Porto: Kralj; Buturovic, Alejandro Diaz, N’Kongolo, Vlk; Wetl, N’Tsunda, Mogrovejo, Walter Paz; Baroni, Mandla Zwane.
Penso nos onzes e comovo-me outra vez. Não resisto e revejo os jogos de Ivica Kralj na Champions League (não disfarço um sorriso ao perceber – mais ninguém o terá percebido, com certeza – que muito do que são hoje Vítor Baía e Ricardo foi bebido ali, naquelas épicas exibições). Identifico-me na tranquila arrogância do Okunowo, deixo escapar umas gotas de baba enquanto cronometro, recorrendo às mais modernas técnicas de medição de imagens televisivas, proporcionadas pelo programa informático da empresa “Soccer Nerds”, um sprint do Martin Pringle.
A acutilância da equipa do Porto do meio campo para a frente. A segurança e classe da defesa do Sporting. A criatividade dos construtores de jogo do Benfica. Mas o que mais me delicia é o centro do meio-campo sportinguista. O potencial novo-eusebiano do Careca e o maior dos pós-modernos do futebol lusitano: Frank Rijkaard, o médio invisível!
Com estes jogadores sei que ganharia tudo em qualquer clube do mundo. Com eles poderia afiançar-vos, hoje, que aos 45 anos estaria reformado, com muitas mais Champions Leagues no papo e com a coroa de melhor treinador da história na minha cabeça.
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